segunda-feira, 6 de julho de 2009

Alma de Robin Hood.

Joel Carlos Santana Santos 09/12/2003

Ser, não ser! (...)
Certa vez encontrei pelas ruas um garotinho. Mais parecia um daqueles meninos-de-rua que encontramos todos os dias nos faróis de trânsito e para quem, costumeiramente, fechamos o vidro como a desdenhar deles. Tal garoto tinha nos olhos lágrimas e uma espelhada tristeza imensurável. E perguntei:
– O que aconteceu, garoto?
Ele se recusou a me responder, pois cria não haver por que fazê-lo. Insisti. Ele, depois de muito hesitar, disse:
– Tentei ajudar aquela senhora a atravessar a rua e ela se recusou a aceitar minha ajuda porque teve medo de mim. O que foi que fiz a ela? – perguntou.
Custou-me, naquele momento, resistir ao nó que me veio à garganta e às iminentes lágrimas de compadecimento. Dirigi-me à senhora que se assentava num banco de uma praça próximo à parada de ônibus. Assentei-me a seu lado e, sorrateiramente, puxei conversa:
– Bom dia! – Desejei-lhe sorrindo cinicamente.
– Muito bom dia, senhor. – retrucou ela sem, ao menos, olhar para quem com ela falava.
Percebi que a velha senhora era daquelas rabugentas que tomam tudo como “o fim-da-picada”. Retomei a conversa, mesmo sabendo que dali não sairia mais que alguns resmungos afônicos e dissaborosos:
– Agora há pouco vi um pequeno garoto a chorar. Cortou-me o coração.
Ela se manteve inerte e descompadecida das lágrimas que relatei ter visto no menino que ela ultrajou. Insisti agora com ironia dirigida a sua atitude:
– Coitado! chorava porque fora ultrajado por alguém insensato. Tentou ajudar e foi mal-compreendido, ou melhor, foi discriminado.
A velha senhora olhou-me como a chamar-me inoportuno por estar-lhe perturbando com aqueles choramingos. Eu, objetivando arrancar dela confissões de suas atitudes inconseqüentes, indaguei:
– Quem seria tão mau a ponto de maltratar um garoto indefeso?
A "má-dame" já não via a hora de seu ônibus chegar para escapar do bombardeio a que a submetia. Não sabia que eu sabia do impropério que cometera, e isso a fazia crer que era o acaso que me colocava ali, ao seu lado, jogando-lhe sua insensatez na cara. Àquelas alturas, já até havia se arrependido, mas não se rendia. E eu reiterava o assunto minuto a minuto, e ela escapava a todo instante.
Surpreendentemente, a dona disse em tom bem afônico (como lhe parecia ser de costume):
– Não tinha intenção de ofender aquele garoto. Simplesmente não queria que ele me ajudasse. Não necessitava.
Depois de alguns segundos de transe devido à dúvida que no momento pairava sobre minha cabeça, soltei:
– Não é bom ajudar e ser ajudado às vezes?
– Sim. Cortou-me o coração saber que ele tinha chorado porque me recusei a ser por ele ajudada. Às vezes me pego cometendo esses deslizes.
– Então, por que não pedir desculpas ao pequenino e ficar de alma limpa?
Ela olhou-me como a pensar: "quem é este homem para querer dar-me ordem e lição de moral?". Eu, já quase convencido de que ela não tinha mesmo coração, maquiavelicamente, pus-me a pensar em como lhe daria uma lição. Foi bem complicado, mas consegui.
Ela me olhava sem entender o porquê de estar ali questionando e tentando dar-lhe a tal lição de moral que imaginara. Eu, sabendo de sua desvirtude: a soberba, projetei a lição a que ela temia, mesmo sem saber, e disse:
– Sabe! Às vezes, a gente precisa confiar nos outros e ter humildade para aceitar ajuda. Às vezes
– também – a gente precisa pedir desculpas.
A velha senhora olhou-me pela última e cortante vez.
Subitamente, surgiu alguém a quem, provavelmente, conhecia. Esquivando-se de mim, levantou-se e atendeu ao conhecido.
Era o momento de agir. Fui de encontro a todos os meus princípios, porém por uma boa causa: dar uma lição na estulta e irredutível senhora. A primeira coisa que me veio foi apoderar-me da sacola, de cujo conteúdo não tinha noção, e sair sorrateiramente. A confiança que ela em mim depositou e o preconceito que lhe cegava para o perigo recôndito foram seus maiores inimigos. Ela se viu enganada por alguém inesperado, em quem não via (visto que não existia concretamente) nenhum mal.
Não sei o que se passou dali por diante com a velha senhora, mas sei que a lição foi aplicada. Ela dali para frente pensaria duas vezes, creio eu, antes de subjugar alguém.
Durante minha escapada, nem tive tempo de averiguar o que furtara e, logo, encontrei o pequenino a quem a velha maltratara. Ele olhou-me e inocentemente disse:
– Bom dia, senhor! – já nem se lembrava do acontecimento de que foi vítima e eu, testemunha – Tio, o senhor tem uma ajuda para mim? Pode ser qualquer coisa! – Declarou.
Olhei a sua face triste devido à fome que o atormentava e a sacola que tinha nas mãos (a essas horas a velha já estava longe e não corria risco de retornar e vê-la com o garoto) e, sem me preocupar com o que lhe dava, passei-lha. Ele agradeceu e se foi.
– Adeus, garotinho! – disse-lhe cheio de alegria. Um estranho sentimento de justiça enchia-me como o dilúvio a terra, e já não compreendia (naquele instante) o limite entre o certo e o errado.
Talvez cresse que o que fiz não fosse errado, mas meu moral, ao longe, gritava minha iniqüidade à minha consciência. Lutava e justificava meu erro com o tal regozijo que sentia e me enganava solenemente. Continuei. Contente com o ato assistencial que praticara, continuei.
Apesar do conflito, cria ter feito a maior das boas ações. E fiz. O garoto me reencontrou dia após e, agradecido pelas iguarias natalinas que lhe presenteei, disse ter se alimentado por dias. Declarei que não era por nada e me fui. O sorriso que ele disparou e o brilho dos olhos me aliviaram da culpa de ter roubado a anciã.
(...)
Cheguei à casa de um velho amigo. Era uma daquelas visitas de “há-quanto-tempo”. Já não o via fazia séculos e subitamente resolvi ir até lá. Era uma bela casa. Jardim garboso, flores raras, grama impecavelmente cortada, piso limpo e um destaque: um supercarro na garagem, dos que nem todo rico pode ter. Titubeei em tocar a campainha, pois não me sentia bem em chegar lá após tanto tempo ausente. Toquei. E surge ele, Paulo, meu velho amigo. Cumprimentamo-nos e me convidou a entrar.
Na sala-de-estar, assentada num luxuoso sofá, estava a velha senhora do episódio de que fui testemunha e personagem (talvez herói, talvez vilão – não sei ao certo!).
– Bom dia! – cumprimentou-me a senhora.
Olhava-me com estranheza e parecia desconfiada de algo. Mas de nada se lembrava. Possivelmente achasse conhecer a voz que lhe respondera o cumprimento já que, no episódio do garoto, mal me olhou o rosto e devido a isso e à caduquez da idade via-se confusa.
Nas mãos a senhora tinha um livro, que lia como passatempo. Um esquisito transe me tomou e Paulo, estranhando a maneira que a olhava, quebrou-o:
– É minha mãe! Dona Justa – disse.
Sem me preocupar com o paradoxo do nome da velha rabugenta, fiquei intrigado como o título do livro que lia: Robin Hood: o príncipe dos ladrões – cujo lema aprenderia mais tarde (...).

sábado, 20 de junho de 2009

O erro da criação a pão-de-ló






Joel Carlos Santana Santos 07/11/2003


“Venha, meu filho. Está na hora de almoçar” – disse a mãe apreensiva, pois o filho de quase 17 anos não havia tomado café. Já eram quase 2 da tarde e ele ainda não tinha, ao menos, se levantado das almofadas no chão da sala, onde jogava freneticamente aquele estranho jogo de video-game. É um jovem ativo (naquilo que lhe convém), normal aos olhos daqueles que o rodeiam. Na escola é tido como “o tal”. Porém, em casa é exatamente tudo aquilo que a gente sempre vê nos filhos dos outros, mas nos nossos não. É exigente naquilo que escolhe. Decidido em relação a seu gosto. “Eu quero é este!”, enche o peito e peita a mãe que, na intenção única de agradá-lo, rende-se.
Atitudes assim são como permitir à criatura que diga ao criador como quer ser. É como dizer a seu “dono” que não quer coleira. As mães e pais de hoje criam sua prole para ser superior a eles próprios. Se for menino, é ainda pior, porque a isso se sobrepõe a autoridade machista paterna que se reflete no filho e é perpetrada quando o marido diz à esposa: “Deixa, que ele é menino!”, tirando qualquer possibilidade de a mãe pensar o contrário mais tarde. O menino é sempre criado para ser “caçador”, e a menina para ser “presa indefesa”. Nenhum pai quer ver sua filha agir com imponência. Seu filho, sim; esse tem que ser mandão. Tem que ditar as regras da casa quando o pai não está, tem que ser o homem-da-casa mesmo que não tenha cacife para isso.
Ditar as regras tem que ser coisa da mãe, não do filho. A mãe tem que fazer valer sua autoridade, seja na ausência do marido seja na sua presença e ele não deve contradizê-la. A mesma mãe que oferece a comida e a põe na mesa prontinha para o filhote, tem que ser aquela que chama a atenção e castiga-o quando erra. Vale o dito: “Pé de galinha não mata pinto.”.


E isso é uma das verdades que a sabedoria popular nos mostra. Quem ama, cuida! E o cuidado que qualquer mãe tem com o filho, pode ser um cuidado afetivo ou corretivo. Cuidar não pressupõe apenas passar a mão sobre a cabeça e dizer que ama; é também impor limites e não se limitar a falas (que podem ser contraditas mais tarde), é ordenar que pare, é punir quando necessário. A criança desde bem pequenina já sabe discernir o que é bom ou ruim. Claro que há que se ter em vista as devidas proporções. Ela ainda não segue nem define regras conscientemente, mas segue exemplos e compara eventos. Quando recém-nascidas as crianças percebem olhares, gestos e bocas. Vêem-nos e os associam a situações (que em alguns casos educam e em outros deseducam.). Por exemplo, se um pequenino, ao comer, joga a colher no chão, acha engraçado. A mãe ou babá, vendo isso, pode ter duas atitudes: a errada – imediatamente pegar a colher e sorrir para a criança, dizendo coisa como ‘gracinha’, ‘toma meu bem’ ou coisas parecidas com aquelas vocalizações imitando os balbucios que o bebê emite. Isso vai fazê-lo “crer” que o que fez lhe agradou. Ele o tem assim, mesmo que você pense que ele é ainda irracional, que não compreende as coisas, e se engana achando que ele nem ligou e não vai repetir. Esteja certa de que sim, ele vai jogar, pois foi divertido. A certa – não pegar de imediato nem sorrir, assim ele vai perceber que não foi divertido para você. Após pegar, com feição séria diga algo do tipo ‘não pode’ ou simplesmente ‘não’, mexendo levemente a cabeça para demonstrar a sua insatisfação. Com isso ele vai associar a queda do talher a sua insatisfação e, por mais que ele sorria (uma ação meramente mecânica, nesse caso), não vai achar – dentro da sua racionalidade – que aquilo foi divertido e crescerá com o conceito de que há coisas que se podem e que não se podem fazer. E isso criará nele um “senso” de permissividade e não-permissividade que não será dele, mas estará nele e o acompanhará por toda a vida ou até que possa decidir sozinho o que escolher fazer.
O “não” pode ser traumatizante para o pai ou a mãe, porém não para a criança. Os pais podem pensar: “O que meu filho vai pensar de mim? Eu neguei o que ele tanto queria...” – mas não devem preocupar-se, a criança que é bem educada provavelmente saberá a diferença e conhecerá o “sim” e o “não”.
Um dos perigos da criação a pão-de-ló é que a criança fica acostumada a não ouvir “nãos” e, ao primeiro “não”, é incapaz de discernir o limite de onde pode ir, já que não o tem. O “não” é um limite na criação onde o “sim” é o ponto-de-partida. O comandado que ouve o “sim” e tem conhecimento do “não”, jamais trespassa seu próprio limite e o do comandante. Com a criança e o adolescente é a mesma coisa: dizer que sim é como abrir ‘porteiras’ para que eles saiam; dizer que não é dizer que há “perigos”, brejos mata adentro. O que conhece ambas as palavras pode ouvir a permissão e sair livremente que seu dono não vai se preocupar, pois o “não” delimitará o caminho; o que não as conhece vai andar livremente e despreocupado visto que não sabe dos brejos afora e, provavelmente, se atolará num deles. E aqueles que os tentar salvar morrerão com ele.
Crianças precisam verdadeiramente de cuidado. Mas não deve ser um cuidado irresponsável. Não se deve criá-las ao leu. O controle é essencial para que a criança crie “controles” próprios. Ela não deve ser ainda dona do próprio nariz, mas precisa – sozinha – perceber as fronteiras entre o “sim” e o “não”, a mãe e o pai, o erro e o acerto; entre o que se deve e o que não se deve fazer e, principalmente, entre a briga na escola na qual apanhou do coleguinha e a surra-reparadora da qual a intenção é educar. É isso. Educar é preciso e quem ama, educa.






terça-feira, 19 de maio de 2009

Vida e arte: a TV e o paradoxo sutil na responsabilidade com a educação.

Joel Carlos S. Santos / 19.06.09.


A arte imita a vida ou vice-versa?

Algumas pessoas afirmam categoricamente que é a vida que imita a arte. Outras, em contrapartida, dizem o oposto, que é a arte que imita a vida. Com um ponto de vista mais pênsil para o lado lógico da análise, a contrapartida é muito mais significativa, pois é irrefutável que quem cria a programação é o mesmo que vive a vida, que constrói relações de vivência que servem de inspiração para a ficção, e – ainda que a ficção seja mera fantasia e traga alertas sobre a dita ‘semelhança ser mera coincidência’ – o produto da criação ficcional não é mais que a passagem para a arte de tudo que é das relações humanas. Uma cena de violência, de preconceito, ou de qualquer outro tipo, é só o reflexo criativo da observação das ocorrências sociais próprias ou alheias (da/na vida do escritor).

Outra pergunta relevante é: a TV educa ou deseduca?



(caricatura de Dodô)
http://fotolog.terra.com.br/dodocaricatura:23

Sabe-se que o foco-mor da programação televisiva não é a Educação, mas deveria correr para esse lado e colaborar com a escola nessa árdua tarefa. O que se tem feito é exatamente o contrário. A TV é responsável por propagar a informação, formar opinião, elucidar os acontecimentos, expor os fatos, entre outras boas-ações. O contraditório disso tudo é que a visão comercial do investimento da criação de um canal de televisão, pomposo como é, suplanta a nobreza do ‘formar-opinião’ e trilha outros caminhos que não o que leva à efetiva educação. É o entretenimento pelo puro entretenimento, muito mais imediatistamente lucrativo, e se reserva espaço apenas a efêmeros instantes informativo-educativos que, paradoxalmente, são veiculados em horários em que muitos estão em stand-by, a madrugada.


Se a arte imita a vida, a essa parte da vida real a arte não tem dado o devido valor. Se quem cria a televisão é o homem e este privilegia a diversão em vez da formação, é porque não lhe é importante. Se a arte é a imitação da vida, a cópia está muito focada nas mazelas da original. Não se costumam reproduzir as virtudes. E, quando isso é feito, há sempre um tom de ironia, depreciação: o honesto é o estulto; o estudioso é o nerd, o patinho feio; o homem respeitador é um quadradão e, se ele respeita a castidade e é adepto da moral e dos bons-costumes, aí sim: é um atrasado.


O papel comunicador da arte na mídia é indefinido. Nenhuma das artes tem como lema os valores, a educação, essencialmente. Seja verbal ou não-verbal, toda arte usa a comunicação como mola propulsora do seu objetivo; algumas delas usam a fala como veículo da informação. Mas, como está a fala na TV e rádio? A maneira como está só confirma a idéia de que “a arte imita a vida”. Nossos radialistas são medíocres. E poucos se destacam, não pelo conjunto da obra, mas por um ou outro fator. A locução da maioria beira as raias do ridículo, quando não ‘deprimente’. E da música nela tocadas nem se fala: a cada dia está pior; e a televisão...


(porcarias na TV, de Roberto Kroll)
http://krollcartuns.blogspot.com/2009/05/porcarias-na-tv.html


As nossas novelas não são mais do que histórias do dia-a-dia em película, em mídia digital. Ações, paisagens, caos, riquezas, mazelas e vivências estão lá assim como estão cá. Preocupantemente iguais. Tanto é que muita gente confunde de onde vem o quê, o que é realidade, o que é dramaturgia. Mais preocupantemente, com a linguagem ocorre o mesmo. E as pessoas, desatinadas de tudo isso e com um senso de correção de fala quase ausente, reproduzem aquilo a que assistem, e se a escola lhes deu pouco discernimento e educou à base do básico, agora como telespectadores desaprendem porque veem a verdade da TV diluir o pouco que aprenderam e justificam: “eu vi/ouvi na TV”.

O que fazer? Talvez com uma pitada de radicalismo em massa, fosse melhor acatar o conselho da banda Red Hot Chilli Peppers, expresso na música de título ‘Throw away your television’, ou seja, jogue fora sua televisão. Mas não, o ideal é melhorar a escola de base, a programação de nossa TV e incluir no objetivo da Arte o intento de educar ou – no mínimo – de não deseducar.

Tire suas dúvidas de gramática

Caro visitante,
após acessar o blog 'Português Com Todas As Letras' e ler as produções, você pode deixar seus comentários, sugerir temas e pedir esclarecimento sobre regras da gramática da Língua Portuguesa. Basta indicar o assunto e aguardar a postagem-resposta. E pode também colaborar com análises e correções de erros que notar.

Grato pela visita,
Joel Carlos S. Santos - 19.05.09.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Os profissionais dos anúncios, as placas populares, a ortografia e a sintaxe do português.

Joel Carlos S. Santos / 18.05.09.

O tempo passa, o tempo voa e muita coisa se mantém estagnada. Já outras coisas regridem a cada dia, como é o caso da língua(gem), especialmente observada e analisada aqui com foco na publicidade das placas, faixas, letreiros e outdoors, nos níveis popular e profissional. A Didática, a Metodologia, as Psicologias da Educação e do ensino do português, entre outras disciplinas baseadas em técnicas que visam a otimizar o contato do aluno com o conhecimento, coadunam com o mesmo objetivo: ensinar mais eficazmente a língua materna, em especial. Porém, ao pôr os olhos nos textos desses tipos de propaganda, o que parece é que todo esforço foi e está sendo em vão, pelo menos no tocante à escrita e (consequente e pressupostamente) à fala, dado a não se poder conceber que o ‘mal-escritor’ seja capaz de falar bem e vice-versa.

Ao longo do tempo, teorias neolinguísticas surgiram para desfazer conceitos da Gramática Normativa Tradicional, tidos como arcaicos. É certo que a evolução tem que ser o pressuposto da educação de base e, principalmente, da relação entre ela e o desenvolvimento da linguagem no aluno. Entretanto, após muita teoria idealista que ainda hoje faz barulho, proveram-se ínfimos resultados positivos. Além da troca de farpas entre gramáticos e linguistas e do intento de ensinar a seu modo, que cada uma das ciências defende, o que fica é o registro escrito da língua com pouco e – em casos especialmente críticos – sem nenhum critério, sendo divulgado de forma indiscriminada.

Nas ruas, o reflexo de uma educação de base deficiente, inócua e que passa despercebida pela iniciativa pública é notadamente preocupante. Nessa referência se ressalta a prática escolar primária embora não se despreze a influência da secundária (e assim por diante) como construtora do que se tem por “poder” de comunicação. Está que provém da linguagem, que é imanente e inerente ao homem, porém não-autoconstrutiva.

Muitos teóricos afirmam que a excelência em linguagem prescinde das normas gramaticais e ampliam dizendo que “o importante é comunicar” ainda que a comunicação advenha de uma fala livre, desregrada, sem um controle previdente quanto ao resultado da relação raciocínio/modo de externação. É ate nobre pensar que o falante tem que ser livre uma vez que a língua assim o é. Em que pesa a aparência nobre, é aí onde reside o problema. Essa tal liberdade pode gerar o caos linguístico e ele fazer com que o raciocínio do comunicador se paute no pseudo-senso de posse da sua própria linguagem, o que pode resultar em produções gráficas como:


De todos os males, o menor. Como atenuante ao problema da maioria dos escritores, a expressão “(seja(m)) bem-vindo(s)” é – na maioria das vezes – mal-escrita até por quem deveria escrever bem. Por isso, é compreensível que os meros mortais a escrevam como feito na imagem anterior. Vale registrar que poucas são as cidades que contratam empresas letreiristas que ponham, na entrada de sua área urbana, tal saudação flexionada e hifenada apropriadamente; além da correta regência que segue. No caso da foto acima, podemos enumerar problemas, que refletem brandamente a base cognitiva e o nível linguístico do construtor da peça gráfica. São três os erros: o primeiro e mais brando – a ausência da consoante nasal no particípio do verbo ‘vir’. O que se pode especular sobre isso é que pode ter havido displicência no processo de escritura da palavra ou, mais agravantemente, houve o uso do processo de analogia, frequentemente usado de maneira inconsciente por crianças na aquisição da linguagem. O segundo e mais metódico – diz respeito ao uso do hífen e requer um conhecimento teórico-prático-funcional que, pode-se prever, o letreirista não tinha ao escrever o texto (ou transcrever, visto que, às vezes, tal profissional não o produz). Aí se constitui o problema da educação de base e onde se anula a teoria da comunicação pela comunicação. Se aquilo que se comunica precisa ser registrado, ou seja, grafado para a posteridade, na escrita também se fará aplicar a lógica linguista? A maioria esmagadora das línguas não é ágrafe, e isso dá ao registro gráfico um tom de relevância maior do que o que se tem dado. O terceiro, último e não tão brando, devido à instância a que chegou a inadequação, é o erro de ortografia contido no verbo da frase. Dizer ou escrever ‘seijam’ é o oposto de ‘quejo’; ou seja, o fenômeno ocorrido no verbo do anúncio vem na contramão do que a linguagem tem “permitido”. No dia-a-dia, muitas vezes, a liberdade permite a fala fluir para aquilo que vocalmente é mais fácil. Um ditongo apresenta um trabalho mais apurado do trato vocal, dos articuladores; e a noção de semivocalidade compete com a vogal na produção sonora do encontro e define na língua moderna o desaparecimento do som débil, isto é, fraco, sem independência sonora (por natureza da construção). Daí a se compreender que a linguagem dinâmica associada a fatores como a agilidade da fala e da comunicação e a despreocupação com método, estratégia ou controle, que resulta da liberdade, que lhe é intrínseca, gera mudanças e com elas, problemas de toda ordem. Assim, no exemplo em que há o surgimento do “i” onde não havia, o aparecimento contrasta com um fenômeno vocálico comum, a supressão: o vocábulo ‘louco’ vira ‘loco /ô/’, e ‘peixe’ é na linguagem dinâmica quotidiana convertido a ‘pexe /ê/’. O erro do letreirista não se justifica como sendo uma possível displicência, mas uma representação gráfica daquilo que ele ouve/ouviu no seu cotidiano; tendo como agravante, a ausência de conhecimento semântico-estrutural básico da palavra que usa.

Os anúncios populares em língua portuguesa são muito ruins; os profissionais também. Raros os que não trazem problemas. De sintaxe, de ortografia, de articulação, de criatividade, entre outros, eles sempre aparecem. Um simples “vendem-se casas”, uma composição de palavras, uma crase ou um pronome configuram-se num entrevero entre escritor e placas publicitárias. A fealdade da grafia, a falta de criatividade e zelo dos profissionais responsáveis por produzi-las, o descomprometimento total dos populares e a presença excessiva dessas peças pelas ruas da cidade implicam um problema grave: a poluição visual. Apesar disso, o que preocupa mais é o processo de deseducação linguística que tais placas imprimem na cabeça do “leitor” e se põem na contramão, até mesmo, dos conceitos linguistas já que algumas dificultam a comunicação. A ortografia e a sintaxe não são a solução para o problema do trânsito da informação através da fala e da escrita. Mas, uma coisa é certa: sem ela, a fluência da comunicação fica comprometida e – quer queira quer não – é muito mais bonito falar e escrever bem. É isso!

quarta-feira, 13 de maio de 2009

O “linguistismo” e as novas ideias para o ensino de língua materna nas escolas.

(Joel Carlos Santana Santos/06.04.09 – escrito de acordo
com as novas regras ortográficas.)

A nova era da Educação vem cheia de boas intenções e alicerçada em teorias que visam à liberdade discente na produção do conhecimento. Quando o assunto-alvo é a linguagem, surgem ainda mais teorias, complexas e cheias de falas ‘do politicamente correto’. Muitas teorias baseadas no conceito de comunicação exclusivamente pela comunicação, em favor da passagem da informação como ela se configura, mas em detrimento da Norma, do veículo através do qual essa informação chega.
O certo é que como estava não poderia ficar. Como versa Nicolau Maquiavel em um de seus pensamentos, extraído do romance O príncipe: “se os tempos mudam e os comportamentos não se alteram; então é a ruína!”. Entretanto, há que se medir o tamanho dessa mudança, pesar seus prós e contras, definir sua razão de ser e sua viabilidade. Com o desenvolvimento das ciências e o advento da tecnologia, tornou-se mais eminente a preparação para “o conhecimento de mundo”, o que inclui o poder de comunicação escrita e, principalmente, falada; contudo, a teoria do contrário vem agarrando suas raízes no solo da consciência discente. Contribuindo para isso, estão os novos professores linguistas, que vêm apregoando nos 4 cantos do planeta a abolição das normas gramaticais na fala, que deve ser livre. Com o discurso embasado no dito popular “faça o que eu mando, mas não faça o que eu faço”, já que nenhum deles fala com tal liberdade ou a aceita sem dogmas na fala alheia, eles vêm apresentando teorias que (re)produzem ideologias como a de que “qualquer falante é capaz de compreender um texto, dizer se está coerente, resumi-lo, dar-lhe um título e etc. (Chomsky)”, que “o falante é senhor de sua linguagem (Celso Luft)” visto que a linguagem lhe é imanente, ou que “a gramática traumatiza o aluno e paralisa seu aprendizado” e tudo isso vem sendo ditado a graduandos das áreas afins da educação, que aceitam religiosa e incontestavelmente.
Maquiavel, quando disse nas entrelinhas do seu texto que a evolução era necessária para evitar a estagnação e consequentemente o caos, não fez alusão ao detrimento do velho em nome do novo. É sabido que mesmo um erro serve de apoio ao aprendizado, à adequação. Fato que não ocorre com a visão substitutiva desse modismo linguístico em cuja bibliografia predomina a desconsideração da dicotomia mais eminente em qualquer aprendizado: ‘acerto-erro’. O que se deveria fazer era transformar o conhecimento sem deteriorar o vetor de condução do conhecimento; no caso das novas teorias da linguagem, a ausência dos conceitos de ‘certo e errado’, se abolidos como querem os adeptos do linguistismo, levaria a língua a um nível de imprecisão sem tamanho. Imagine-se: um país como o nosso, detentor de 80% dos falantes do português, se impregnado de liberdade para gerir a língua e ‘produzir’ sentido sem a tutela da Gramática, com tantas maneiras de se falar e – mais preocupantemente – de registrar o que se fala, com a pobre cultura estudantil e os altos índices de evasão escolar e analfabetismo, além também do hábito da leitura chegando às raias do ridículo, onde pararia a língua? Como ficaria o vernáculo português no mundo?
Há muito tempo, a responsabilidade dos baixos números da educação brasileira está na falta de investimento. O que sempre se alega é que o pequeno percentual do dinheiro público separado para a educação, cujo montante ainda sofre desvios fraudulentos vergonhosos, só contribui para a deterioração das inter-relações entre governo, escolas e professores. Implicações como “O governo finge que me paga (com um salário de miséria) que eu finjo que ensino e vocês fingem que aprendem” tem como resultado anos de uma escola caótica, abandonada pelo poder público; entretanto, a língua sempre foi ensinada na medida do possível e com a estrutura viável para o momento, para o investimento. O tempo passou. Agora o comportamento dos professores terá que mudar, porém o dos governantes se mantém intactamente inalterado, os alunos estão piores do que antes em vários fatores (cultural, educacional, sócio-moral, ético e legal, indo da crise das relações até à agressão) e, desta vez, a ruína se instaurará em outro ambiente: o da linguagem. As diretrizes do momento são ‘divertir para atrair’ ou ‘mudar para encantar’. A educação tem que ser atraente, ainda que isso desfaça o foco da relação ensino-aprendizagem, prescinda-se de coisas importantes, como as peças do processo, e não se saiba da eficácia da técnica (muitas vezes experimental).
Mudar virou uma obrigação, uma determinação. E se o professor não se propuser a isso, será considerado obsoleto, haja vista a frequência com que se convertem ao linguistismo alguns e se doutrinam outros ainda no processo de graduação. O pressuposto de mudar nem sempre é rejeitar o velho, principalmente quando este é parte essencial do foco do câmbio; Já o pressuposto de se ensinar gramática é saber gramática. O de uma boa leitura ou o de uma boa produção é o reconhecimento básico da estrutura do texto (falado ou escrito). E é inconcebível que se possa fazê-lo sem tais bases. E, para o professor-linguista, é muito mais cômodo se liberar da obrigação de corrigir certos e errados de gramática e estrutural-textuais, e focam sua aula na interpretação, que depende da leitura do aluno e do professor, que não leem. De olho em justificar tudo o dito, não é, entretanto, papel da Gramática nem dos que a estudam e tornam públicos seus postulados, cantar as virtudes do seu teor normativo como solução única para os problemas da língua. O que se intenciona com ela é dar apoio à comunicação (passagem) e à produção (criação) do sentido da linguagem. A linguística faria sua parte catalogando as variações e desfazendo o processo de depreciação preconceituosa e rechaço em relação à língua coloquial.
Toda a teoria linguística teria plena validade e incontestável ideologia, vista a nobreza da ideia subliminar à radicalidade da mudança, se primasse pela aglutinação de seu objetivo com o da gramática, ou seja, se ambas cooperassem sem o discurso liberalista inconsequente que tem, sem a negativa à norma. O certo é que a Gramática Tradicional não deprecia ou despreza totalmente a ideia linguística, tampouco a intenção do método mais atraente para o ensino de língua. Entretanto, na contramão do lógico, a tese da comunicação por si, dissociada da estrutura, não condiz com a realidade estudantil. No que tange a concursos, a vestibulares, ao Enem (prova gerida pelo governo com vistas a testar a capacidade do alunado, principalmente, de baixa renda e para dar acesso às universidades) e às próprias avaliações colegiais, o cabedal dos estudantes gera índices vergonhosos; e tal tese nem viabiliza um ‘aprendizado para a vida’, uma vez que já se construiu uma cultura de ‘rotulação’, parafraseada aqui numa máxima da literatura: “tu és responsável por aquilo que falas”.
E os linguistas tomarão para si a responsabilidade?

Fonte e autoria

Gente, caso usem os trabalhos do blog em quaisquer que sejam as situações, reportem a autoria e ano de produção, além da fonte, ou seja, o site de onde se tirou o material.
Agradecido e satisfeito, aguardo contato.

terça-feira, 12 de maio de 2009

A professora e a prostituta

(Joel Carlos Santana Santos/01.04.09)

Escola Primária Estadual Adelide Pittalacchio Madruga, março de 1990, Feira de Santana, Bahia. É o começo de mais um ano letivo. Janete era a mais jovem e bela professorinha. Trabalhava na escola fazia 5 anos, desde que completou os 18. Era profissionalmente tão precoce quanto elegante e cobiçada. Suas quase duas décadas não previam seu futuro. Era determinada e havia passado no vestibular cedo e logo ingressou no serviço público. Seus pais a gloriavam, espalhavam suas virtudes aos quatro cantos do mundo. Era a menina prodígio.
Adorava lecionar. Via em cada uma das crianças, com quem passava todas as manhãs letivas, um promissor cidadão e sonhava vê-los depois de formados, só para poder saber que o que fez ali valeu a pena. Ia, vinha. Passavam os anos e ela ali: a Pittalacchio era seu refúgio.
Sua vida profissional fluía tranqüilamente. A vida amorosa também. Janete se preparava para subir ao altar. Júnior era seu príncipe encantado; fidalgo baiano, era um bon vivent. Terminara a faculdade de Relações Internacionais. Visava à vida de diplomata, essa era sua única perspectiva de futuro. Acostumara-se a viajar pelo mundo.
Nete, como era carinhosamente tratada por seus pais, prosseguia em sua jornada, cumprindo seu papel, que defendia com unhas e dentes. Ia e vinha. Perdia noites na lida docente. Ao sair da escola, seguia direto a casa e preparava toda a atividade do dia seguinte, além de revisar tudo o que fez: acerto a acerto, erro a erro. Dedicação era seu sobrenome, e a escola sua irmandade. 1997, são passados sete anos. Longos, árduos e de uma dedicação quase religiosa. Janete agora tem duas notícias, uma boa e outra ruim. Uma provinda do governo do estado e outra, de Júnior.
Após greves, crises financeiras e um grande período de escassez, a professora recebe um convite para mudar de turno, mudar para as séries maiores e ganhar um pouco mais. Essa era a boa notícia. Júnior recebera dos pais uma viagem à Espanha, presente de aniversário. Iria ficar lá por um ano. Foi, e o ano se passou. Decidiu ficar. Toca o telefone, é ele. A cultura céltica jamais o atraiu, embora essa tenha sido a desculpa que dera. Não iria mais voltar. Disse pretender ficar mais alguns anos.
– Sinto muito! – foi apenas o que disse. Desligou. Estava a seu lado a bela Cruz, mulher andaluz que conhecera nas andanças e cuja mão segurava apaixonadamente. Janete, do outro lado da linha e ainda esperançosa de aquilo tudo fosse um trote, mantinha o aparelho ao ouvido e em transe. Por alguns segundos, ouvia o sinal sonoro insistentemente repetido pelo fone [tu, tu, tu, tu, tu, tu, tu...]. Pô-lo no gancho, e – como num passe de mágica – sua vida se desligou no instante em que o apoiou sobre o console. Nada mais tinha razão de ser. Foi abandonada pelo único homem que teve, amava e a quem havia devotado parte de sua vida. Essa era a notícia ruim.
Não havia uma só lágrima nos olhos de Janete. Atônita, pôs-se a pensar nos porquês daquilo tudo. Olhava a casa que acabara de comprar e a todo o enxoval comprado nos meses de véspera ao casório. Havia de tudo, do bom e do melhor. Muitos presentes dos amigos, das cunhadas e dos irmãos paulistas, enviados via postagem. O catálogo de vestidos de noiva estava sobre a mesa de tampa de granito polido, caríssima; repousava lá ainda lacrado. Não havia escolhido um. Num rompante e com a força de um suspirar, girou o braço e o apanhou. Na capa, o mais belo de todos. Mas não! A recém-ex-noiva se encantaria por outro. O filme plástico que envolvia a revista fora retirado com avidez. Folheado, abriu-se naturalmente no centro onde ficam os nós dos grampos e da cola. E lá estava ele, o escolhido. Já era tarde: tudo estava abortado, até os sonhos. E o vestido, imponente no corpo do manequim, parecia que lhe caberia como uma luva, de pelica, com a qual tomara o tapa e sua vida havia parado. Solitária, por seu rosto juvenil desce uma lágrima, única. Prenúncio da profunda revolta que logo sentiria, quando atinasse para que aquilo era um caminho sem volta. Secou-a com a mão revolta e decepcionada a ponto de lhe deixar a tez enrubescida. Apagou a luz (era cedo para dormir) e, sem sair do lugar, agaixou-se em meio ao breu. Amanheceu o dia.
Não havia voltado mais à escola. Vários chamados e comunicados e nada! Foi exonerada por abandono de serviço. Não via razão em viver e sabia que não poderia ensinar mais nada dali para frente. Não se sentia realizada, porém acreditava que era hora de parar. Foram semanas sem sair da casa nova, desde que recebeu o telefonema. A casa havia sido impecavelmente arrumada. Pôs a réplica caseira do vestido que cozeu durante a reclusão. Apanhou uma escada das longas, que mal podia carregar. Com esforço a recostou na fachada da casa, puxou o vestido até a altura das coxas, deixando à mostra seu belo par de pernas e subiu. No topo da escada e já com uma platéia, que se formou devido à curiosidade por saber o que a fez sair de casa, apregou uma placa.
Lá estava escrito em letras garrafais e em bom português: Vende-se sexo. Noiva que jamais foi amada e que desistiu de aprender a amar.

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