sábado, 20 de junho de 2009

O erro da criação a pão-de-ló






Joel Carlos Santana Santos 07/11/2003


“Venha, meu filho. Está na hora de almoçar” – disse a mãe apreensiva, pois o filho de quase 17 anos não havia tomado café. Já eram quase 2 da tarde e ele ainda não tinha, ao menos, se levantado das almofadas no chão da sala, onde jogava freneticamente aquele estranho jogo de video-game. É um jovem ativo (naquilo que lhe convém), normal aos olhos daqueles que o rodeiam. Na escola é tido como “o tal”. Porém, em casa é exatamente tudo aquilo que a gente sempre vê nos filhos dos outros, mas nos nossos não. É exigente naquilo que escolhe. Decidido em relação a seu gosto. “Eu quero é este!”, enche o peito e peita a mãe que, na intenção única de agradá-lo, rende-se.
Atitudes assim são como permitir à criatura que diga ao criador como quer ser. É como dizer a seu “dono” que não quer coleira. As mães e pais de hoje criam sua prole para ser superior a eles próprios. Se for menino, é ainda pior, porque a isso se sobrepõe a autoridade machista paterna que se reflete no filho e é perpetrada quando o marido diz à esposa: “Deixa, que ele é menino!”, tirando qualquer possibilidade de a mãe pensar o contrário mais tarde. O menino é sempre criado para ser “caçador”, e a menina para ser “presa indefesa”. Nenhum pai quer ver sua filha agir com imponência. Seu filho, sim; esse tem que ser mandão. Tem que ditar as regras da casa quando o pai não está, tem que ser o homem-da-casa mesmo que não tenha cacife para isso.
Ditar as regras tem que ser coisa da mãe, não do filho. A mãe tem que fazer valer sua autoridade, seja na ausência do marido seja na sua presença e ele não deve contradizê-la. A mesma mãe que oferece a comida e a põe na mesa prontinha para o filhote, tem que ser aquela que chama a atenção e castiga-o quando erra. Vale o dito: “Pé de galinha não mata pinto.”.


E isso é uma das verdades que a sabedoria popular nos mostra. Quem ama, cuida! E o cuidado que qualquer mãe tem com o filho, pode ser um cuidado afetivo ou corretivo. Cuidar não pressupõe apenas passar a mão sobre a cabeça e dizer que ama; é também impor limites e não se limitar a falas (que podem ser contraditas mais tarde), é ordenar que pare, é punir quando necessário. A criança desde bem pequenina já sabe discernir o que é bom ou ruim. Claro que há que se ter em vista as devidas proporções. Ela ainda não segue nem define regras conscientemente, mas segue exemplos e compara eventos. Quando recém-nascidas as crianças percebem olhares, gestos e bocas. Vêem-nos e os associam a situações (que em alguns casos educam e em outros deseducam.). Por exemplo, se um pequenino, ao comer, joga a colher no chão, acha engraçado. A mãe ou babá, vendo isso, pode ter duas atitudes: a errada – imediatamente pegar a colher e sorrir para a criança, dizendo coisa como ‘gracinha’, ‘toma meu bem’ ou coisas parecidas com aquelas vocalizações imitando os balbucios que o bebê emite. Isso vai fazê-lo “crer” que o que fez lhe agradou. Ele o tem assim, mesmo que você pense que ele é ainda irracional, que não compreende as coisas, e se engana achando que ele nem ligou e não vai repetir. Esteja certa de que sim, ele vai jogar, pois foi divertido. A certa – não pegar de imediato nem sorrir, assim ele vai perceber que não foi divertido para você. Após pegar, com feição séria diga algo do tipo ‘não pode’ ou simplesmente ‘não’, mexendo levemente a cabeça para demonstrar a sua insatisfação. Com isso ele vai associar a queda do talher a sua insatisfação e, por mais que ele sorria (uma ação meramente mecânica, nesse caso), não vai achar – dentro da sua racionalidade – que aquilo foi divertido e crescerá com o conceito de que há coisas que se podem e que não se podem fazer. E isso criará nele um “senso” de permissividade e não-permissividade que não será dele, mas estará nele e o acompanhará por toda a vida ou até que possa decidir sozinho o que escolher fazer.
O “não” pode ser traumatizante para o pai ou a mãe, porém não para a criança. Os pais podem pensar: “O que meu filho vai pensar de mim? Eu neguei o que ele tanto queria...” – mas não devem preocupar-se, a criança que é bem educada provavelmente saberá a diferença e conhecerá o “sim” e o “não”.
Um dos perigos da criação a pão-de-ló é que a criança fica acostumada a não ouvir “nãos” e, ao primeiro “não”, é incapaz de discernir o limite de onde pode ir, já que não o tem. O “não” é um limite na criação onde o “sim” é o ponto-de-partida. O comandado que ouve o “sim” e tem conhecimento do “não”, jamais trespassa seu próprio limite e o do comandante. Com a criança e o adolescente é a mesma coisa: dizer que sim é como abrir ‘porteiras’ para que eles saiam; dizer que não é dizer que há “perigos”, brejos mata adentro. O que conhece ambas as palavras pode ouvir a permissão e sair livremente que seu dono não vai se preocupar, pois o “não” delimitará o caminho; o que não as conhece vai andar livremente e despreocupado visto que não sabe dos brejos afora e, provavelmente, se atolará num deles. E aqueles que os tentar salvar morrerão com ele.
Crianças precisam verdadeiramente de cuidado. Mas não deve ser um cuidado irresponsável. Não se deve criá-las ao leu. O controle é essencial para que a criança crie “controles” próprios. Ela não deve ser ainda dona do próprio nariz, mas precisa – sozinha – perceber as fronteiras entre o “sim” e o “não”, a mãe e o pai, o erro e o acerto; entre o que se deve e o que não se deve fazer e, principalmente, entre a briga na escola na qual apanhou do coleguinha e a surra-reparadora da qual a intenção é educar. É isso. Educar é preciso e quem ama, educa.






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