O enigma da questão nº. 3.
Cinform, 18 a 24 de junho de 2012, Ano XXX, Edição
1523.
De Olho No Concurso: PORTUGUÊS,
(p.07).
3 - (C.MEN./Rio)
“Tudo pode afetar a nossa vida”.
Das alterações
processadas na passagem acima, a que
contraria a norma
culta, quanto à concordância verbal, é:
a)
Todas
as coisas parece afetarem a nossa vida.
b)
Todas
as coisas parece que afetam a nossa vida.
c)
Todas
as coisas parecem que afetam a nossa vida.
d)
As
coisas e as pessoas, tudo parece afetar a nossa vida.
e)
Tudo,
as coisas e as pessoas, parece afetar a nossa vida.
Texto do Prof. Esp. Joel Carlos Santana Santos,
de Língua Portuguesa e Espanhola.
Ah,
o português, o bom e velho português! Uma verdadeira armadilha.
...Algumas
questões elaboradas e postas em provas de concursos são um mistério
(!), como diria D.
Milu sobre as histórias de Santana do Agreste. O que me preocupa, na verdade, é
que tal mistério tem rondado a vida de alunos e, ainda mais preocupantemente, a
de professores, em todos os níveis, do Ensino Fundamental à Livre Docência.
Ensinar a língua materna é um sério exercício de paciência, que deve ser embasado
na dedicação à profissão de professor, no preparo adequado e na precisão da
práxis com o conhecimento.
Hummm...
Mas, deixemos de “lero-lero” e atenção à Questão
nº. 3 (três) do Cinform:
ela é uma das questões que parecem
que estão à beira do precipício que leva os desavisados a caírem no abismo
gramatical que tanto vitima concurseiros por todo o país. O que se deve fazer quanto
a isso e para responder questões com mais efetividade é apreciar com muito
cuidado os enunciados, levando em conta as palavras usadas e os assuntos possivelmente relacionados a elas, e
avaliar o que realmente se pede.
“Tudo pode afetar a nossa vida”,
inclusive a gramática. Concurseiros ficam a anos-luz de distância das vagas
reservadas aos aprovados, por causa de “situações” assim. A frase entre aspas
foi usada no enunciado da questão citada no periódico, e o que se pedia dizia
respeito às alterações que foram
feitas nas múltiplas escolhas e especificamente à
que, dentre as quais, contraria a
Norma Culta no que tange à concordância.
Para
direcionar resposta justa à “problemática” apresentada, vou dividir o procedimento
em alguns passos informativos:
1. A
frase tem seis palavras: 1.
Pron. indefinido (núcleo do sujeito) / 2. Verbo (aux.) + 3.
Verbo principal (infinitivo) / 4.
Art. definido / 5.
Poss. adjetivo / 6.
Substantivo (núcleo do objeto).
2. Dentre
elas, há apenas uma que é invariável: Tudo.
3. A
composição da frase se dá pela presença de 2 (dois) verbos significativos, ‘parecer’, no Presente do Indicativo, e ‘afetar’, no infinitivo.
4. As
orações dependentes.
5. ...
...Vamos
lá.
O
que se pede no texto do enunciado é o quesito correto dentre as alternativas
alteradas quando o foco é a Concordância Verbal, seguindo aquilo que rege a norma
vigente. Antes de tudo, deve-se notar que mudanças vocabulares foram feitas. O
pronome ‘tudo’ deu lugar à expressão ‘todas as coisas’ nos itens ‘A’, ‘B’ e ‘C’
a fim de imprimir plural na oração; e a expressão ‘as coisas e as pessoas’ foi
acrescida, apositivamente, à palavra ‘tudo’ em ‘D’ e ‘E’. Algumas posições
foram redefinidas, os períodos se alternam entre reduzidos e desenvolvidos e o
verbo auxiliar poder foi
substituído por parecer, que
respeitam regras ligeiramente distintas entre si. E é aí em que reside o
problema: verbos que respeitam regras distintas. No caso das posições do
aposto “as coisas e as pessoas”, nas
últimas alternativas, não há problema. Tanto faz dizer: 1) As coisas e as pessoas,
tudo parece afetar a nossa vida ou 2)
Tudo, as coisas e as pessoas, parece
afetar a nossa vida. Em ambas as sentenças, o verbo está sendo conjugado
pelo pronome indefinido. E, estando certo de que este é invariável, é óbvio que
ele só admite singular na concordância com o verbo.
Na
contrapartida, o verbo ‘parecer’ admite múltiplos vieses quanto à aplicação do
número na
composição das Orações Subordinadas,
as substantivas Reduzidas de infinitivo,
por exemplo, ou seja, quando há dois verbos (ele e outro qualquer, para um
único sujeito no plural) e é possível alternar a flexão entre um e outro; caso
contrário, o verbo concorda com o número do substantivo que exercer o papel de
sujeito...
Viés I:
plural + singular.
a) ‘O Brasil e a França parecem relacionar-se bem no mercado
internacional’.
Viés II:
singular + plural.
a) ‘O Brasil e a França parece relacionarem-se bem no mercado internacional’;
b) ‘O Brasil e a França parece que se relacionam bem no mercado internacional’.
Viés III:
plural + plural.
a) ‘O Brasil e a França parecem que se relacionam bem no mercado internacional’.
Os
pormenores do
verbo PARECER...
“Se eu tiver que nadar apenas em piscina
rasa, prefiro deixar de ser nadador profissional”. Para mergulharmos fundo “nesse
problema” (a piscina do verbo parecer),
vamos encher o pulmão com ar “gramatical”, prender a respiração e suportar a
pressão para ir mais além do que de costume.
O
verbo atrás da lupa requer um pouco mais
de atenção (quanto aos “traços” existentes nele. E eles são muitos...) e a ajuda
de declarações como as citadas a seguir.
Um.
Os
fenômenos da transitividade e da regência:
eles direcionam significados e interpretações, obrigam a inclusão de
determinadas palavras, definem categorias gramaticais e organizam a estrutura.
Dois.
O
verbo ‘parecer’ pode ser tão-somente de
ligação; o que significa dizer que liga e não tem independência. Fato que
se extrai do entendimento que se infere dos ditos ‘o garoto está feliz’ ou apenas de ‘garoto
feliz’. Estar é o principal
elemento de ligação em predicados nominais, como parecer em ‘o garoto parece feliz’. O que não ocorre com o
período: ‘o engenheiro parece construir um estádio’; nele, o núcleo
indica a prática de uma ação
suspeitosa, uma suposição vincula à prática de uma ação; não, um estado (nem do
sujeito nem do objeto). Daí a não ter sentido minimamente preciso dizer ‘engenheiro construir um estádio’,
porque o ato solicita a indicação de tempo,
número e pessoa, além voz e
modo. Com o garoto, a despeito dessas indicações,
no mínimo você vai supor que ele ficou, tornou-se, era ou estava feliz, que era o estado dele. Do
contrário, quando nenhuma suposição semelhante é viável, o verbo não é de
ligação; e sim, significativo, indicativo de prática de ação (seja física ou
psíquica).
Três.
Restam-lhe
as opções relativas à função transitiva dos verbos (direto, direto
preposicionado ou indireto), à bitransitiva, à transpredicativa, à intransitiva;
que faz com que todos eles sejam significativos, e ainda os pronominais.
...Entre
outras coisas!
Tudo
isso influencia para o bem do aprendizado do exposto e contribui para a boa
compreensão da estrutura da frase e para a correta aplicação das infindáveis regras do idioma. As várias
sentenças abaixo vão nos ajudar a entender o verbo em questão e a chegar à conclusão
que se pretende.
Comecemos:
Leia
atentamente as frases...
I.
Suas ações parecem com as de Pedro.
II.
Suas falas parecem verdade.
III.
Ana e João parecem felizes.
IV.
Eles se
parecem com os pais.
V.
As coisas parecem umas com as outras.
VI.
As coisas parecem (...) e elas afetam a
nossa vida.
VII.
O que parece afetar a nossa vida?
VIII.
Sabemos que precisamos de mais dedicação
nos estudos.
As
frases II e III apresentam ideias bem próximas. Apesar de as palavras verdade (subs.) e felizes (adj.) serem de classes gramaticais
diferentes, ambas representam um qualificador, o predicativo do sujeito, e seus
verbos são copulativos. Verdade, naquele caso, substitui verdadeiras (adj.). Compreensivamente, isso resultaria em ‘falas verdadeiras/Ana e João felizes’. Indo de
encontro a essa ideia, vêm os exemplos I, IV e V. Neles os verbos têm noção
aproximada à do verbo confundir-se
(que é significativo); como efeito, parecer é transitivo indireto, em: ‘Suas
ações parecem com as de Pedro’ e, às
vezes, surge como pronominal, em: ‘Eles se
parecem com os pais’;
ou bitransitivo: em, ‘As coisas parecem umas com as outras’.
A
opção VII é interrogativa, propositalmente, uma vez que é isto que direcionará
a captação da impressão de alguns enfoques
no argumento. Composta por dois núcleos verbais, um deles é o verbo em voga, que desenvolve a polêmica.
Auxiliar por essência, ele se assemelha em compreensão estrutural ao vocábulo
‘poder’, porém traz alguns detalhes diferenciadores, particulares. Se houver a pretensão
de responder as perguntas: ‘o que parece
afetar a nossa vida?’ ou ‘o que
afeta a nossa vida?’ – a resposta será a mesma levando em consideração o
conteúdo da prova, ou seja: todas as
coisas (ou tudo, as coisas
e as pessoas). Apure-se, pois, a
verdade do encontrado até aqui, acrescentando-se os questionamentos: O que parece? Parece o quê? O que afeta?
Afeta o quê? Lógico é perceber a que
cada resposta encontrada se refere; e não é demais repetir a sentença de
origem: “Tudo pode
afetar a nossa vida”. A opção sugerida pela frase VI também é propositada, ela
é Coordenativa Aditiva,
cujo conteúdo pode ser transformado de forma mais complexa. As falas “‘As coisas parecem (fazer algo)’
e ‘elas afetam a nossa vida’” podem ser ligadas
uma à outra de maneira a tornar o primeiro verbo dependente do segundo.
Pergunte-se: o que parece? Resposta: as coisas. E, o que afeta a nossa vida?
Resposta: também elas (as coisas). Já
a pergunta: ‘parece o quê?’, periga não ter resposta dado o tom pseudo-intransitivo da declaração. Com
isso, a conclusão rasa e incipiente a que qualquer aluno facilmente pode chegar
é: os dois verbos têm o mesmo sujeito.
Pronto e ponto!
Caso
realmente haja a necessidade da composição subordinativa, como a feita nas proposições
da prova da C.MEN./Rio, que findou em “Todas
as coisas parecem que afetam a nossa vida (gabarito C)”, a ela não
poderia ser atribuído erro, pois não há. A oração aqui se mostra constituída de
uma estrutura subordinada (objetiva) cujo verbo da principal necessita de trânsito
e cujo significado denota ação praticada; e não, um estado. Entenda-se, pois,
que, quando interpelado ao locutor de uma frase assim, “todas as coisas parecem
o quê?”, elas dirão: “ISSO!”, que representam sinonimamente a “coisa que
parece”; essa coisa é o ato resultante de afetar. Daí a necessidade do TRÂNSITO
verbal, ou seja, do “movimento” do significado do núcleo da oração principal
para a subordinada. E, se as orações são ligadas por conjunção, esta é classificada
como integrante, une os períodos e os compõe. Quando não, as orações são
reduzidas e os verbos das subordinadas estão no gerúndio ou no infinitivo
(flexionável). Quando os sujeitos são diferentes, eles precisam estar
explícitos para orientar as flexões em ambos os núcleos, nas desenvolvidas e
reduzidas; quando não, o segundo fica invariável nas reduzidas. E no caso
elucidado há detalhes: a possibilidade de alternar a concordância ora com um
ora com outro.
Veja:
(Desenvolvida/mesmo
sujeito) todas as coisas parecem que
afetam a nossa vida.
(Reduzida/mesmo
sujeito) todas as coisas parecem afetar a nossa vida. / todas as
coisas parece afetarem a nossa vida.
A
alternativa para o gabarito indicava a sentença da opção C, e a justificativa
para a resposta se baseava na ideia de que se tratava de uma Substantiva
Subjetiva, dizendo que: “O verbo ‘parecer’ está indevidamente no plural, pois a
oração seguinte é o sujeito dele. O correto é: todas as coisas parece que afetam a nossa vida”. O que me parece não
condizer com a “verdade” gramatical!
Para
ilustrar a opinião de que não há erro no quesito escolhido e em nenhum outro, o
que enseja a anulação da questão, serão apresentadas duas sentenças
essencialmente subjetivas e que não deixarão dúvidas de que a proposição C do
gabarito não satisfaz.
Veja:
(período
simples) Apenas a verdade convém.
(período
composto por subordinação) Convém que se
diga apenas a verdade.
ou
(período
simples) As palavras duras ferem.
(período
composto por subordinação) Fere proferirem-se
palavras duras.
Nos exemplos compostos, as orações
em itálico compreendem o sujeito do
verbo da oração principal, o que nos leva a classificá-las como Orações
Subordinadas Substantivas Subjetivas, e tais sujeitos estão refletidos
inferidamente nos dos respectivos períodos simples.
É preciso, por força da necessidade
e para não se alongar muito, fechar toda essa ponderação. E, para não restarem
dúvidas, façam-se as várias perguntas que foram indicadas para direcionar o
entendimento das estruturas e se tente descobrir o sujeito das orações:
1) Apenas a verdade
convém. e
2) Convém
que se diga apenas a verdade.
O que convém?
3) As palavras duras
ferem. e
4) Fere
proferirem-se palavras duras.
O que fere?
5) Todas as coisas parecem que afetam a nossa vida.
O que parece? O
que afeta? Parece o quê?
Se você já estudou algum dia na vida
(ou estuda) os Termos da Oração e
aprendeu o básico deste assunto, sabe que nenhuma das respostas do ponto nº. 5
determina que a oração subordinada ‘que
afetam a nossa vida’ é o sujeito de ‘parecer’.
É isso aí. Olho na frase VIII e isso
é tudo!